Religião: a construção mitológica

Religião: a construção mitológica

A religião é um fenómeno multifacetado, mas na sua essência é uma tentativa para conectar o ser humano com o divino.

Rituais religiosos, formas de adoração, cerimónias, códigos morais e sistemas de crenças ajudam a nos harmonizar com o sobrenatural.

A religião é construída sobre uma mitologia, que as suas diferentes seitas adaptam e transformam em perspectivas únicas, monolíticas e aglutinadoras. Por exemplo, no Cristianismo, o Catolicismo, o Protestantismo, a Igreja Ortodoxa, As Testemunhas de Jeová, entre outras.

Curiosamente, a palavra seita deriva do Latim secta, que significa caminho, linha de conduta, princípios, escola filosófica (de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

A base da religião, ou da seita, não é o profeta, mas a sua recriação do espírito do profeta, ou dos profetas, e outras figuras relevantes presentes para ilustrar a característica visão do mundo que lhe dá origem, que, por sua vez, é transformada por esta relação. Sendo esta visão posteriormente atribuída à figura de uma pessoa ou de uma personagem criada para o efeito (e.g. Jesus Cristo, Lao Tzu, etc.), um messias, um guia, um profeta.

A veracidade dos eventos é de importância secundária para com a mitologia e a visão unificadora que interpreta essa mitologia e por ela é influenciada. Também somos influenciados por romances, como Fernão Capelo Gaivota, e por ficções, como o Matrix.

E assim é de menor importância a procura da autenticidade dos profetas e das personagens que figuram nas parábolas religiosas. O essencial é a simbologia e a metáfora que nos transmite uma moral e uma visão particular da realidade - uma filosofia.

Embora seja importante distinguir entre religiões e cultos autênticos, que procuram fazer uma ligação genuína entre o ser humano e a realidade à sua volta de uma forma abstrata, e religiões e cultos que procuram usar isto para obter benefícios essencialmente materiais e/ou sensuais.

Eu compartilho com a Teosofia e a Fé bahá'í a visão que expressa - até na religião mulçumana que vê Jesus Cristo como um seu profeta - a ideia de que as diferentes religiões genuínas estão relacionadas, oferecendo diferentes perspectivas sobre uma mesma realidade, nomeadamente a espiritualidade (relação com o transcendente) e sobre o transcendente.

E é também importante notar que as grandes religiões são movimentos com uma génese já muito antiga, perdida da História, e que se transformaram com os tempos, não sendo as mesmas religiões que foram a quando da sua fundação, e muito menos fiéis aos princípios ideológicos que se combinaram e as originaram. Especialmente as religiões após terem sido legitimadas pelos povos, convertendo-se de instrumento de consciência e disrupção social numa instituição pública (de controlo) ao serviço do Estado.

Assim como os seus escritos religiosos sofreram alterações ao longo dos tempos e foram compilados. Não sendo os originais.

É também importante notar o papel explicativo da realidade que as religiões tiveram, antes do florescimento da Ciência, e devido ao qual ainda sofrem crises de identidade no presente. Lidando com dificuldades com o progresso científico e com a diminuição do seu papel social.

O filósofo Karl Jaspers também tinha uma visão crítica sobre a religião.

Jaspers afirmava que o núcleo da religião é sempre formado por uma inválida objetivação ou generalização, que falha em reconhecer que a transcendência ocorre de várias formas, e que verdades transcendentes não podem ser tornadas concretas como um conjunto de afirmações factuais ou narrativas.

Para ele, perspectivas religiosas são exemplos de atitudes mentais limitadas, que procuram a proteção de uma doutrina uniforme para fugir a uma confrontação com a incerteza e instabilidade da transcendência espiritual.

Ao declarar a transcendência como um elemento concreto da revelação religiosa, a religião, para Jaspers, obstrui a capacidade para a transcendência espiritual que todas as pessoas possuem. Isto, em vez de oferecer a transcendência, como declara fervorosamente a religião.

Sobre isto Swami Vivekananda oferece o conselho:

“Se tu queres ser religioso, não entres no portão de nenhuma religião organizada. Elas fazem cem vezes mais mal que bem, porque elas param a evolução do desenvolvimento individual de cada um. Estuda tudo, mas mantém-te firme. Se seguires o meu conselho, não ponhas o teu pescoço na armadilha. O momento em que eles tentem pôr o seu nariz sobre ti, tira o teu pescoço e vai para outro lugar. Como uma abelha colecionando pólen de muitas flores permanece livre, não aprisionada por nenhuma flor… Religião é apenas entre ti e o teu Deus, e nenhum terceiro elemento deve vir entre os dois.”

A revelação religiosa, como a base do dogma e da ortodoxia da doutrina, elimina o aspecto autocrítico e comunicativo da razão humana, e mina as precondições da transcendência e autoconhecimento existencial. Jaspers via a religião como uma obstrução à comunicação, pondo limites dogmáticos na capacidade comum humana para a verdade e a transcendência.

O psicólogo Carl Gustav Jung, por seu lado, sugeriu que a não ser que a religião possa gerar uma experiência religiosa íntima, o seu valor é limitado.

Swami Vivekananda afirmou que:

"O final de todas as religiões está em realizar Deus na alma. Esta é a única religião universal. Se existe uma verdade universal em todas as religiões, eu considero-a aqui – em realizar Deus. Ideias e métodos podem variar, mas esse é o ponto central."

Uma prática religiosa dedicada, quando com sucesso, conduz à experiência religiosa, onde sentimos que estabelecemos algum tipo de conexão com o Divino.

Este tipo de experiências são de uma natureza profunda.

Karl Jaspers declarava mesmo que a verdade humana e, de forma mais geral, a ideia da humanidade não podem ser concebidas de forma válida sem a recuperação das abordagens interpretativas religiosas e sem um reconhecimento do facto de que a base ideológica é transcendente.

Iain McGilchrist fala sobre isto em:

"Eu não posso penetrar até ao centro do enigma da vida pelos meus esforços. Nem posso eu intencionalmente inventar mitos e rituais sem eles serem triviais e vazios. Isto é o porquê de termos tradições de arte, filosofia e, sobretudo, religião."

Isto parece apoiar a posição de Fyodor Dostoevski sobre a religião e a ciência. Dostoevski não se via inteiramente convencido pela ciência e a modernidade, pois nestes não encontrava respostas sobre um sentido ou a felicidade. A religião, pelo contrário, serviu a humanidade por milhares de anos, dando conforto psicológico.

Entretanto o neurocientista Bobby Azarian defende que uma educação religiosa desde a infância, ensinando os mitos e o dogma religiosos como verdade absoluta, afeta negativamente o desenvolvimento do sentido crítico. A supressão do pensamento crítico é necessária para se acreditar nas histórias como absoluta verdade, em vez de como metáforas para como viver a vida com propósito. Atribuir causas místicas a ocorrências naturais também desencoraja os jovens de procurar evidências para as suas crenças.

Devemos procurar encontrar o místico na realidade quotidiana.

Consequentemente, as estruturas do cérebro que permitem o pensamento crítico e lógico não amadurecem totalmente. E isto torna estas pessoas mais vulneráveis a narrativas enganosas e manipulativas, como as afirmações e sugestões rebuscadas de figuras mediáticas.

Para Bobby Azarian, a educação religiosa deve ser contrabalançada com o ensino da ciência, à qual eu acrescento também a necessidade de uma educação do pensar, com a inclusão da filosofia.

Fontes:
  • «Do We Need God? – The Loss of God and the Decay of Society», artigo do espaço Academy of Ideas, disponível aqui;
  • «"Lucifer" to the Archbishop of Canterbury - Greeting», carta de Helena Petrovna Blavatsky, disponível aqui;
  • «Forgotten existentialist», artigo de Deborah Casewell, palestrante de Filosofia da Religião da Universidade de Chester, para o espaço Aeon, disponível aqui;
  • «Karl Jaspers», artigo de Stanford Encyclopedia of Philosophy, disponível aqui;
  • «Dostoevsky's Genius Life Philosophy», vídeo do canal Fiction Beast no Youtube, disponível aqui;
  • «Religious Fundamentalism: A Side Effect of Lazy Brains?», artigo de Bobby Azarian, neurocientista cognitivo, para o espaço The Daily Beast, disponível aqui;
  • «A neuroscientist explains why MAGA supporters refuse to accept Trump's 91 felony charges», artigo de Bobby Azarian, neurocientista cognitivo, para o espaço Raw Story, disponível aqui.

A religião é um fenómeno multifacetado, mas na sua essência é uma tentativa para conectar o ser humano com o divino.

Rituais religiosos, formas de adoração, cerimónias, códigos morais e sistemas de crenças ajudam a nos harmonizar com o sobrenatural.

A religião é construída sobre uma mitologia, que as suas diferentes seitas adaptam e transformam em perspectivas únicas, monolíticas e aglutinadoras. Por exemplo, no Cristianismo, o Catolicismo, o Protestantismo, a Igreja Ortodoxa, As Testemunhas de Jeová, entre outras.

Curiosamente, a palavra seita deriva do Latim secta, que significa caminho, linha de conduta, princípios, escola filosófica (de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

A base da religião, ou da seita, não é o profeta, mas a sua recriação do espírito do profeta, ou dos profetas, e outras figuras relevantes presentes para ilustrar a característica visão do mundo que lhe dá origem, que, por sua vez, é transformada por esta relação. Sendo esta visão posteriormente atribuída à figura de uma pessoa ou de uma personagem criada para o efeito (e.g. Jesus Cristo, Lao Tzu, etc.), um messias, um guia, um profeta.

A veracidade dos eventos é de importância secundária para com a mitologia e a visão unificadora que interpreta essa mitologia e por ela é influenciada. Também somos influenciados por romances, como Fernão Capelo Gaivota, e por ficções, como o Matrix.

E assim é de menor importância a procura da autenticidade dos profetas e das personagens que figuram nas parábolas religiosas. O essencial é a simbologia e a metáfora que nos transmite uma moral e uma visão particular da realidade - uma filosofia.

Embora seja importante distinguir entre religiões e cultos autênticos, que procuram fazer uma ligação genuína entre o ser humano e a realidade à sua volta de uma forma abstrata, e religiões e cultos que procuram usar isto para obter benefícios essencialmente materiais e/ou sensuais.

Eu compartilho com a Teosofia e a Fé bahá'í a visão que expressa - até na religião mulçumana que vê Jesus Cristo como um seu profeta - a ideia de que as diferentes religiões genuínas estão relacionadas, oferecendo diferentes perspectivas sobre uma mesma realidade, nomeadamente a espiritualidade (relação com o transcendente) e sobre o transcendente.

E é também importante notar que as grandes religiões são movimentos com uma génese já muito antiga, perdida da História, e que se transformaram com os tempos, não sendo as mesmas religiões que foram a quando da sua fundação, e muito menos fiéis aos princípios ideológicos que se combinaram e as originaram. Especialmente as religiões após terem sido legitimadas pelos povos, convertendo-se de instrumento de consciência e disrupção social numa instituição pública (de controlo) ao serviço do Estado.

Assim como os seus escritos religiosos sofreram alterações ao longo dos tempos e foram compilados. Não sendo os originais.

É também importante notar o papel explicativo da realidade que as religiões tiveram, antes do florescimento da Ciência, e devido ao qual ainda sofrem crises de identidade no presente. Lidando com dificuldades com o progresso científico e com a diminuição do seu papel social.

O filósofo Karl Jaspers também tinha uma visão crítica sobre a religião.

Jaspers afirmava que o núcleo da religião é sempre formado por uma inválida objetivação ou generalização, que falha em reconhecer que a transcendência ocorre de várias formas, e que verdades transcendentes não podem ser tornadas concretas como um conjunto de afirmações factuais ou narrativas.

Para ele, perspectivas religiosas são exemplos de atitudes mentais limitadas, que procuram a proteção de uma doutrina uniforme para fugir a uma confrontação com a incerteza e instabilidade da transcendência espiritual.

Ao declarar a transcendência como um elemento concreto da revelação religiosa, a religião, para Jaspers, obstrui a capacidade para a transcendência espiritual que todas as pessoas possuem. Isto, em vez de oferecer a transcendência, como declara fervorosamente a religião.

Sobre isto Swami Vivekananda oferece o conselho:

“Se tu queres ser religioso, não entres no portão de nenhuma religião organizada. Elas fazem cem vezes mais mal que bem, porque elas param a evolução do desenvolvimento individual de cada um. Estuda tudo, mas mantém-te firme. Se seguires o meu conselho, não ponhas o teu pescoço na armadilha. O momento em que eles tentem pôr o seu nariz sobre ti, tira o teu pescoço e vai para outro lugar. Como uma abelha colecionando pólen de muitas flores permanece livre, não aprisionada por nenhuma flor… Religião é apenas entre ti e o teu Deus, e nenhum terceiro elemento deve vir entre os dois.”

A revelação religiosa, como a base do dogma e da ortodoxia da doutrina, elimina o aspecto autocrítico e comunicativo da razão humana, e mina as precondições da transcendência e autoconhecimento existencial. Jaspers via a religião como uma obstrução à comunicação, pondo limites dogmáticos na capacidade comum humana para a verdade e a transcendência.

O psicólogo Carl Gustav Jung, por seu lado, sugeriu que a não ser que a religião possa gerar uma experiência religiosa íntima, o seu valor é limitado.

Swami Vivekananda afirmou que:

"O final de todas as religiões está em realizar Deus na alma. Esta é a única religião universal. Se existe uma verdade universal em todas as religiões, eu considero-a aqui – em realizar Deus. Ideias e métodos podem variar, mas esse é o ponto central."

Uma prática religiosa dedicada, quando com sucesso, conduz à experiência religiosa, onde sentimos que estabelecemos algum tipo de conexão com o Divino.

Este tipo de experiências são de uma natureza profunda.

Karl Jaspers declarava mesmo que a verdade humana e, de forma mais geral, a ideia da humanidade não podem ser concebidas de forma válida sem a recuperação das abordagens interpretativas religiosas e sem um reconhecimento do facto de que a base ideológica é transcendente.

Iain McGilchrist fala sobre isto em:

"Eu não posso penetrar até ao centro do enigma da vida pelos meus esforços. Nem posso eu intencionalmente inventar mitos e rituais sem eles serem triviais e vazios. Isto é o porquê de termos tradições de arte, filosofia e, sobretudo, religião."

Isto parece apoiar a posição de Fyodor Dostoevski sobre a religião e a ciência. Dostoevski não se via inteiramente convencido pela ciência e a modernidade, pois nestes não encontrava respostas sobre um sentido ou a felicidade. A religião, pelo contrário, serviu a humanidade por milhares de anos, dando conforto psicológico.

Entretanto o neurocientista Bobby Azarian defende que uma educação religiosa desde a infância, ensinando os mitos e o dogma religiosos como verdade absoluta, afeta negativamente o desenvolvimento do sentido crítico. A supressão do pensamento crítico é necessária para se acreditar nas histórias como absoluta verdade, em vez de como metáforas para como viver a vida com propósito. Atribuir causas místicas a ocorrências naturais também desencoraja os jovens de procurar evidências para as suas crenças.

Devemos procurar encontrar o místico na realidade quotidiana.

Consequentemente, as estruturas do cérebro que permitem o pensamento crítico e lógico não amadurecem totalmente. E isto torna estas pessoas mais vulneráveis a narrativas enganosas e manipulativas, como as afirmações e sugestões rebuscadas de figuras mediáticas.

Para Bobby Azarian, a educação religiosa deve ser contrabalançada com o ensino da ciência, à qual eu acrescento também a necessidade de uma educação do pensar, com a inclusão da filosofia.

Fontes:
  • «Do We Need God? – The Loss of God and the Decay of Society», artigo do espaço Academy of Ideas, disponível aqui;
  • «"Lucifer" to the Archbishop of Canterbury - Greeting», carta de Helena Petrovna Blavatsky, disponível aqui;
  • «Forgotten existentialist», artigo de Deborah Casewell, palestrante de Filosofia da Religião da Universidade de Chester, para o espaço Aeon, disponível aqui;
  • «Karl Jaspers», artigo de Stanford Encyclopedia of Philosophy, disponível aqui;
  • «Dostoevsky's Genius Life Philosophy», vídeo do canal Fiction Beast no Youtube, disponível aqui;
  • «Religious Fundamentalism: A Side Effect of Lazy Brains?», artigo de Bobby Azarian, neurocientista cognitivo, para o espaço The Daily Beast, disponível aqui;
  • «A neuroscientist explains why MAGA supporters refuse to accept Trump's 91 felony charges», artigo de Bobby Azarian, neurocientista cognitivo, para o espaço Raw Story, disponível aqui.
[divisor maior]
[divisor menor]
[divisor médio]